Naquela noite, Flora, Dimitri e Nathair dormiram ao relento, na praia cinzenta. Entretanto, acordaram bem cedo e montaram os cavalos, em direção ao interior do continente. Flora nunca vira um cavalo antes, não sabia montar. Mas Dimitri foi cordial e a levou em sua garupa, enquanto Nathair montou o outro.
Após algumas horas, a paisagem começou a se transformar, e o terreno lodoso deu lugar a um capim baixo e amarronzado. Muito distante, podia-se ver o contorno de montanhas baixas, formadas de terra estéril. E por detrás delas o Sol nascia.
– Este lugar parece triste... – Flora suspirou, segurando- se à cintura de Dimitri.
– Nem sempre foi assim – respondeu ele, que também observava a paisagem, insatisfeito. – Dizem que Hynneldor já foi um lugar muito bonito. Um reino próspero, de pasto verde e céu azul. O sol brilhava por entre nuvens, trazendo calor e alegria aos habitantes. Águas cristalinas regavam todo o reino, e as colheitas eram abundantes.
– Mas o que aconteceu?
– O carrasco dessa terra foi a sua ausência, Flora.
Naquele mesmo dia, alcançaram uma pequena povoação decadente na encruzilhada da estrada, chamada de Vilarejo Gris. Ali, Dimitri vendeu os dois cavalos de cavalgada e contratou um cocheiro que conduzia uma carruagem velha, puxada por um cavalo robusto. Agora que Flora estava no grupo, esta seria uma melhor opção de transporte. Flora agradeceu imensamente, o dia de cavalgada deixara-a exaurida. Suas pernas, nádegas e costas doíam como nunca, e ela sentia que, a partir do momento em que se deitasse para dormir, nunca mais conseguiria se levantar.
Eram os únicos clientes da estalagem. Quando se sentaram à mesa para tomar a sopa rala que lhes serviram, a única pessoa presente no refeitório era a própria proprietária do lugar, uma jovem senhora que se ocupava de lavar os utensílios utilizados no preparo do jantar.
– Estamos indo a Amitié, a capital de Hynneldor. – Anunciou Dimitri – Mas, antes, você precisa saber de algumas coisas, Flora.
– Tudo bem – respondeu ela –, me fale sobre meus pais.
Dimitri pareceu incomodado com a pergunta. Certamente, não era esse o assunto sobre o qual pretendia tratar, e não o julgava importante.
– O reino de Hynneldor é regido pela estrela de Zyria, a deusa de todas as formas de amor. Toda vez que um rei morre, um novo favorito é escolhido dentre seus filhos pela própria deusa, recebendo dela uma dádiva única e inviolável, e sendo coroado rei ou rainha logo em seguida.
– Seu pai foi um bom rei – interrompeu Nathair. – Sua morte foi uma fatalidade, que abalou a todos do reino. Mas a escolha da rainha Flora Valaskes serviu para aquecer o coração de todos nós. – E fez uma breve reverência a Flora. – Seu irmão, Fausto, até hoje protege o reino, na esperança do seu retorno.
– Flora... Valaskes – repetiu ela, refletindo sobre seu verdadeiro sobrenome, enquanto terminava sua sopa.
– Eu não conheci Hynneldor na época de seu pai, e não compreendo muito bem o poder da Dádiva da Deusa – prosseguiu Dimitri –, mas sei que o favorito de Zyria tem o poder de proteger o reino dos inimigos. Também ouvi dizer que sua aura traz boas colheitas e saúde. E é justamente dessa esperança que o reino carece.
Os três olharam para o lado ao perceber que a dona da estalagem estava em pé perto da mesa, como uma estátua, ouvindo atentamente à conversa. Ao se dar conta de que os três se calaram, ela tomou coragem e se dirigiu a Flora:
– É você? A princesa desaparecida?
Flora não teve confiança para responder que sim, nem que não. Ficou parada, segurando a colher de sopa suspensa no ar. Por sua vez, a mulher não ficou esperando uma resposta. Sem aviso, ajoelhou-se ao lado dela, e pôs-se a suplicar:
– Estou tão contente em enfim ver a princesa! Volte a Amitié, seja nossa rainha! Por favor... precisamos tanto...
Dimitri viu que aquilo poderia causar problemas, por isso pegou a mulher pelo braço e a pôs em pé, dizendo:
– Se você quer que ela chegue a Amitié viva, terá que guardar segredo!
– Segredo? Mas é maravilhoso! Todos precisam saber, pra ajudar! Uma grande caravana vai do Vilarejo Gris até Amitié, escoltando a princesa!
– Uma caravana de esfarrapados famintos invadindo Amitié? Era só o que me faltava! Por que não desenhamos logo um alvo na carruagem da princesa?
– Você não conhece a força do povo!
– Força suficiente para ficarem sentados por anos, enquanto Datillion tenta resolver o problema!
A discussão entre Dimitri e a mulher não teria um resultado feliz. Sabendo disso, Nathair se levantou e foi até ela. Tomou-lhe as mãos e falou com tranquilidade:
– O retorno da princesa não é tão importante. Ninguém precisa ficar sabendo, e ela já tem escolta suficiente.
Subitamente, a mulher se acalmou. Olhou o pequeno homem corcunda nos olhos, e os dois pareciam estar em perfeita sintonia.
– Tem razão. Não é tão importante. – Então ajuntou os pratos e talheres utilizados no jantar e levou-os para lavar.
– Acalme-se, Dimitri. Às vezes, tudo o que as pessoas precisam é de uma conversa tranquila. – Nathair encerrou o assunto ali.
Na hora de se deitarem, Dimitri não teve dúvidas: pediu um quarto onde pudessem dormir os três. Mas Nathair, munido de maior sensibilidade, o convenceu a pedir um quarto só para Flora.
– Damas precisam de privacidade – disse ele.
Flora estava prestes a soprar a única vela que iluminava seu quarto, quando ouviu Dimitri bater na porta. Ela abriu e o convidou a entrar, mas ele se contentou em conversar à porta.
– O que eu queria te dizer, hoje mais cedo, é que será um caminho perigoso. Vivemos em um mundo em guerra, e mal sabemos quem são os reais inimigos. Por isso, mantenha- se sempre perto de mim ou de Nathair, porque nós vamos proteger você.
– Tudo bem, não se preocupe... eu não vou a lugar algum! – Flora respondeu com um sorriso brincalhão.
Descontente, Dimitri segurou-a pelos braços para que visse sua expressão e compreendesse que falava sério.
– Eu era muito novo quando me incumbiram da missão de encontrá-la, e ninguém acreditava realmente que eu conseguiria. Na verdade, pensaram que me mandariam para a morte certa. Mas aqui está você! Eu te procurei por tantos anos, Flora! Eu fui até o fim do mundo por você, enfrentei dificuldades que você nem imagina! Mas tudo valeu a pena... eu sabia que te encontraria! Desde o início, eu sabia. E não posso perder você agora.
Flora foi surpreendida por aquela confissão, e não sabia o que dizer. Como era possível que, por todo aquele tempo, Dimitri estivesse procurando por ela, mas ela sequer soubesse disso? Após alguns instantes de um silêncio mortal, ele pareceu cansar de encará-la, e soltou-lhe os braços.
– Tranque a porta do quarto durante a noite. E fique com isso – ele lhe ofereceu uma adaga curva, enfiada em uma bainha de couro.
Flora mordeu o lábio e aceitou o presente.
– Espero que você não tenha que usar. Mas, se for preciso, não hesite. Não se trata apenas de você, mas de todo um reino.
Dizendo isso, Dimitri se foi.
Sozinha no quarto, Flora guardou a adaga embaixo de seu travesseiro. Quando deu por si, estava parada, sorrindo. Não importava o motivo, era bom ser importante para alguém.
Após algumas horas, a paisagem começou a se transformar, e o terreno lodoso deu lugar a um capim baixo e amarronzado. Muito distante, podia-se ver o contorno de montanhas baixas, formadas de terra estéril. E por detrás delas o Sol nascia.
– Este lugar parece triste... – Flora suspirou, segurando- se à cintura de Dimitri.
– Nem sempre foi assim – respondeu ele, que também observava a paisagem, insatisfeito. – Dizem que Hynneldor já foi um lugar muito bonito. Um reino próspero, de pasto verde e céu azul. O sol brilhava por entre nuvens, trazendo calor e alegria aos habitantes. Águas cristalinas regavam todo o reino, e as colheitas eram abundantes.
– Mas o que aconteceu?
– O carrasco dessa terra foi a sua ausência, Flora.
Naquele mesmo dia, alcançaram uma pequena povoação decadente na encruzilhada da estrada, chamada de Vilarejo Gris. Ali, Dimitri vendeu os dois cavalos de cavalgada e contratou um cocheiro que conduzia uma carruagem velha, puxada por um cavalo robusto. Agora que Flora estava no grupo, esta seria uma melhor opção de transporte. Flora agradeceu imensamente, o dia de cavalgada deixara-a exaurida. Suas pernas, nádegas e costas doíam como nunca, e ela sentia que, a partir do momento em que se deitasse para dormir, nunca mais conseguiria se levantar.
Eram os únicos clientes da estalagem. Quando se sentaram à mesa para tomar a sopa rala que lhes serviram, a única pessoa presente no refeitório era a própria proprietária do lugar, uma jovem senhora que se ocupava de lavar os utensílios utilizados no preparo do jantar.
– Estamos indo a Amitié, a capital de Hynneldor. – Anunciou Dimitri – Mas, antes, você precisa saber de algumas coisas, Flora.
– Tudo bem – respondeu ela –, me fale sobre meus pais.
Dimitri pareceu incomodado com a pergunta. Certamente, não era esse o assunto sobre o qual pretendia tratar, e não o julgava importante.
– O reino de Hynneldor é regido pela estrela de Zyria, a deusa de todas as formas de amor. Toda vez que um rei morre, um novo favorito é escolhido dentre seus filhos pela própria deusa, recebendo dela uma dádiva única e inviolável, e sendo coroado rei ou rainha logo em seguida.
– Seu pai foi um bom rei – interrompeu Nathair. – Sua morte foi uma fatalidade, que abalou a todos do reino. Mas a escolha da rainha Flora Valaskes serviu para aquecer o coração de todos nós. – E fez uma breve reverência a Flora. – Seu irmão, Fausto, até hoje protege o reino, na esperança do seu retorno.
– Flora... Valaskes – repetiu ela, refletindo sobre seu verdadeiro sobrenome, enquanto terminava sua sopa.
– Eu não conheci Hynneldor na época de seu pai, e não compreendo muito bem o poder da Dádiva da Deusa – prosseguiu Dimitri –, mas sei que o favorito de Zyria tem o poder de proteger o reino dos inimigos. Também ouvi dizer que sua aura traz boas colheitas e saúde. E é justamente dessa esperança que o reino carece.
Os três olharam para o lado ao perceber que a dona da estalagem estava em pé perto da mesa, como uma estátua, ouvindo atentamente à conversa. Ao se dar conta de que os três se calaram, ela tomou coragem e se dirigiu a Flora:
– É você? A princesa desaparecida?
Flora não teve confiança para responder que sim, nem que não. Ficou parada, segurando a colher de sopa suspensa no ar. Por sua vez, a mulher não ficou esperando uma resposta. Sem aviso, ajoelhou-se ao lado dela, e pôs-se a suplicar:
– Estou tão contente em enfim ver a princesa! Volte a Amitié, seja nossa rainha! Por favor... precisamos tanto...
Dimitri viu que aquilo poderia causar problemas, por isso pegou a mulher pelo braço e a pôs em pé, dizendo:
– Se você quer que ela chegue a Amitié viva, terá que guardar segredo!
– Segredo? Mas é maravilhoso! Todos precisam saber, pra ajudar! Uma grande caravana vai do Vilarejo Gris até Amitié, escoltando a princesa!
– Uma caravana de esfarrapados famintos invadindo Amitié? Era só o que me faltava! Por que não desenhamos logo um alvo na carruagem da princesa?
– Você não conhece a força do povo!
– Força suficiente para ficarem sentados por anos, enquanto Datillion tenta resolver o problema!
A discussão entre Dimitri e a mulher não teria um resultado feliz. Sabendo disso, Nathair se levantou e foi até ela. Tomou-lhe as mãos e falou com tranquilidade:
– O retorno da princesa não é tão importante. Ninguém precisa ficar sabendo, e ela já tem escolta suficiente.
Subitamente, a mulher se acalmou. Olhou o pequeno homem corcunda nos olhos, e os dois pareciam estar em perfeita sintonia.
– Tem razão. Não é tão importante. – Então ajuntou os pratos e talheres utilizados no jantar e levou-os para lavar.
– Acalme-se, Dimitri. Às vezes, tudo o que as pessoas precisam é de uma conversa tranquila. – Nathair encerrou o assunto ali.
Na hora de se deitarem, Dimitri não teve dúvidas: pediu um quarto onde pudessem dormir os três. Mas Nathair, munido de maior sensibilidade, o convenceu a pedir um quarto só para Flora.
– Damas precisam de privacidade – disse ele.
Flora estava prestes a soprar a única vela que iluminava seu quarto, quando ouviu Dimitri bater na porta. Ela abriu e o convidou a entrar, mas ele se contentou em conversar à porta.
– O que eu queria te dizer, hoje mais cedo, é que será um caminho perigoso. Vivemos em um mundo em guerra, e mal sabemos quem são os reais inimigos. Por isso, mantenha- se sempre perto de mim ou de Nathair, porque nós vamos proteger você.
– Tudo bem, não se preocupe... eu não vou a lugar algum! – Flora respondeu com um sorriso brincalhão.
Descontente, Dimitri segurou-a pelos braços para que visse sua expressão e compreendesse que falava sério.
– Eu era muito novo quando me incumbiram da missão de encontrá-la, e ninguém acreditava realmente que eu conseguiria. Na verdade, pensaram que me mandariam para a morte certa. Mas aqui está você! Eu te procurei por tantos anos, Flora! Eu fui até o fim do mundo por você, enfrentei dificuldades que você nem imagina! Mas tudo valeu a pena... eu sabia que te encontraria! Desde o início, eu sabia. E não posso perder você agora.
Flora foi surpreendida por aquela confissão, e não sabia o que dizer. Como era possível que, por todo aquele tempo, Dimitri estivesse procurando por ela, mas ela sequer soubesse disso? Após alguns instantes de um silêncio mortal, ele pareceu cansar de encará-la, e soltou-lhe os braços.
– Tranque a porta do quarto durante a noite. E fique com isso – ele lhe ofereceu uma adaga curva, enfiada em uma bainha de couro.
Flora mordeu o lábio e aceitou o presente.
– Espero que você não tenha que usar. Mas, se for preciso, não hesite. Não se trata apenas de você, mas de todo um reino.
Dizendo isso, Dimitri se foi.
Sozinha no quarto, Flora guardou a adaga embaixo de seu travesseiro. Quando deu por si, estava parada, sorrindo. Não importava o motivo, era bom ser importante para alguém.