O clima ruim na pequena caravana não se abrandou nos dias que se seguiram. Dimitri não conseguia compreender Flora. Se ele não a tivesse salvado no momento certo, coisas terríveis teriam acontecido. Aqueles sequestradores haviam recebido o que mereciam, mesmo assim, ela estava inconformada com as mortes deixadas pelo caminho.
Para Dimitri, o único arrependimento era de não tê-los interrogado antes de matá-los. Assim, poderia descobrir quem os enviara. Uma coisa era certa: ninguém pagaria para que matassem uma jovem donzela sem um bom motivo. Quem quer que fosse o responsável, sabia que se tratava da princesa herdeira de Hynneldor, e se encarregaria de terminar o que começara.
Por sorte, Flora era jovem e bela. Devia sua vida a isso. E também ao fato de aqueles serem amadores, é claro. Um assassino experiente jamais se delongaria com uma vítima apenas para poder se aproveitar dela. Ao invés disso, concluiria logo o trabalho. Dimitri interrompeu sua linha de raciocínio e olhou para as próprias mãos. Flora tinha razão, estavam manchadas de sangue. Para ele, presenciar a morte, ou até provocá-la, era algo natural. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se envergonhado.
Lá fora, a lua minguante adornava o céu noturno, enquanto Nathair e Flora dormiam profundamente na carruagem em movimento. Flora ainda usava seu vestido em farrapos, e Dimitri prometeu a si próprio que compraria roupas para ela na próxima cidade. Por sinal, seria uma ótima ideia que ela abandonasse o vestido da época em que vivia em Ashteria. Facilitaria a tarefa de ocultar sua identidade.
Assim, quando chegaram à cidade de Rivicour, Dimitri deixou Flora aos cuidados de Nathair enquanto saiu para comprar o vestido, além de mantimentos para o resto da viagem. Já estavam se aproximando do destino final, em apenas um dia chegariam a Amitié. Rivicour era uma cidade à beira do Rio Ruidoso, e Dimitri se aborreceu em retornar à carruagem sem ter conseguido um barco que os transportasse rio acima. Mas eles podiam prosseguir com a carruagem, não era problema. Nada poderia diminuir o prazer que Dimitri sentia com o iminente fim de sua jornada de uma vida inteira.
Ou, pelo menos, se atreveu a pensar isso por um instante.
Carregando nos braços as provisões e o vestido recém- comprado, Dimitri se sobressaltou ao descobrir que, onde deveria estar a carruagem, não havia nada. Irado, atirou ao chão tudo o que trazia consigo, amaldiçoando o momento em que se afastou de Flora mais uma vez. Ainda praguejando, começou a procurar marcas de batalha no chão, mas nada encontrou.
■
– Tem certeza de que quer fazer isso? – Nathair perguntou a Flora, não pela primeira vez. A carruagem movia- se a toda velocidade, seguindo a estrada que margeava o Rio Ruidoso.
– Eu não poderia fazer diferente, depois de tudo o que você me contou! Como pude confiar em Dimitri?!
– Não se preocupe, nós vamos cuidar de você agora.
– Muito obrigada, Nathair! O que seria de mim se não fosse você? Ainda bem que você tem esses amigos que podem nos ajudar! – Flora segurava as mãos dele, que lhe serviam como fonte de coragem.
Flora ouviu dele muitas histórias terríveis sobre Dimitri. Desde a vez em que massacrara a Vila das Crianças, no longínquo reino de Vulcannus, até o dia em que incendiara um acampamento de pescadores de seu próprio território, a mando da maligna sacerdotisa de Kantheria. Por fim, contou- lhe sobre como ele a venderia a seu irmão, Fausto Valaskes, em troca de uma recompensa que reergueria o nome da família Fahd. E, também, o que faria com ela, caso se provasse que não era, de fato, a princesa perdida.
– Eu não pertenço a ele, para ser vendida como um objeto!
– Não, mesmo... – Anuiu Nathair, passando a mão na cabeça dela. Com idade para ser seu avô, Flora sentiu como se de fato ele o fosse. Mas um avô jamais planejaria para sua neta o destino infeliz que Nathair tinha em mente. – Chegamos. Espere aqui dentro um pouco.
A carruagem parou no local combinado, e Nathair pulou para fora, enquanto Flora espiava pela porta. Ali, uma dúzia de soldados aguardava. Homens e mulheres, todos vestiam mantos negros, adornados por um brasão vermelho que se assemelhava muito a um lagarto com asas esqueléticas. Junto ao brasão, cada soldado exibia uma quantidade de estrelas, alguns possuíam uma única, outros possuíam duas, mas um único soldado ostentava três estrelas. E foi este, o capitão, que se adiantou para ter com Nathair.
– Está tudo arranjado – disse Nathair a Flora, assim que retornou da conversa com o soldado. Ele a escoltou para fora da carruagem e dispensou o cocheiro, enquanto a instruía: – Vocês vão descer o Rio Ruidoso, e quando chegarem ao mar, trocarão de embarcação. Devem chegar a Amitié em, no máximo, um mês. Atracado à margem do rio, um diminuto barco a vela estava à espera. Nele, dois homens humildes faziam os preparativos para zarpar. Nathair guiou Flora em direção ao capitão, que a encarava com olhar intrigado. Mas, após ver a carruagem ir embora, ela estacou no caminho, preocupada:
– Espere, Nathair! Você não vem conosco?
– Não... Preciso ficar, para impedir que Dimitri vá em seu encalço.
– Você não pode ficar, ele o matará!
– Não se preocupe comigo, Flora. Vamos, não temos tempo a perder.
Quando ele finalmente a colocou frente a frente com o capitão, Flora começou a notar que havia algo de errado. O capitão a examinou dos pés à cabeça, passando por seu vestido rasgado e sua pele suja, e parecia muito desconfiado. A recepção não foi nem um pouco calorosa e, para completar, ele não aparentava ser um real amigo de Nathair Tredbach.
– Está tentando me enganar, Nathair? – Inquiriu o capitão, sem sequer dirigir a palavra à Flora. – Querendo me empurrar uma mendiga qualquer?
– De jeito nenhum! Eu te asseguro, ela é a princesa.
– Você não vai conseguir fugir de mim.
– Eu não terei porque fugir! É ela!
– Está bem. Levem-na para o barco – disse o capitão a seus comandados.
– Parem! – Gritou ela. – Nathair, você disse que vamos descer o Rio Ruidoso? Mas não estávamos, até agora, viajando rio acima? Amitié é para lá! – Dizendo isso, apontou o dedo na direção da qual as águas do rio vinham.
Um silêncio confuso tomou conta do ambiente, enquanto os soldados se davam conta da farsa criada por Nathair para atrair a princesa àquele lugar. O capitão deu um sorriso de aprovação e fez sinal para que seus comandados a agarrassem antes que ela tentasse correr.
– Não me culpe – disse Nathair, ao ver o olhar tristonho dela se voltar para ele –, é assim que as coisas funcionam por aqui.
Flora deu dois passos para trás, calculando quais seriam suas chances de fugir dali correndo. Os soldados eram muitos, e correriam mais rápido que ela, se fosse necessário. Ela não sabia quem eles eram, nem para onde pretendiam levá-la, mas ela não queria descobrir. Por isso, mesmo sabendo que não teria chance alguma de escapar, ela correu.
Às suas costas, ouviu gritos e gargalhadas dos soldados. Não pôde ver, mas os dois que estavam mais perto dela fizeram uma breve aposta de quem a alcançaria primeiro. Enquanto corria, Flora sacou a adaga que Dimitri lhe dera, e passou a correr com ela em punho, pronta para lutar por sua vida. Qualquer um que lhe tocasse sentiria o frio de sua pequena lâmina.
De repente, Flora ouviu às suas costas o som do correr de um cavalo. A barulheira e agitação aumentaram, e Flora ouviu o som de uma explosão, mas não se atreveu a olhar para trás. Corria alucinadamente pela estrada que subia o Rio Ruidoso, na direção em que acreditava estar Amitié. Quando o cavalo começou a se aproximar ameaçadoramente, ela se preparou para, pela primeira vez em sua vida, ferir uma pessoa.
Flora esperava ser pega pelos cabelos, pela roupa, ou até mesmo pela cintura. Mas, para seu espanto, agarraram-lhe o braço, e ela se viu sendo jogada para a garupa do cavalo. Sem pensar duas vezes, cravou a pequena adaga no ombro direito de seu raptor.
– AAAAHHHHHH! – Ela ouviu o cavaleiro gritar e um amargo arrependimento veio em seguida, ao perceber que golpeara Dimitri.
Rapidamente, ela removeu a adaga, e uma vistoso jorro de sangue escorreu pelas costas do príncipe, junto com um novo urro de dor. Era um corte muito mais profundo do que aqueles feitos pelos sequestradores de Flora, e ela pôde notar uma grande perda de força naquele braço. Mesmo assim, ele não parou de impelir o cavalo para frente, galopando bravamente.
– Oh, Dimitri, me perdoe!
Ele não respondeu. Apenas continuou em sua missão de escapar daquele local o mais rápido possível. Com uma breve olhada para trás, Flora viu os dois homens que a estiveram perseguindo, caídos no chão, inertes sobre uma poça de sangue. Mais atrás, os soldados restantes estavam confusos e desordenados. O capitão gritava ordens, enquanto os demais se dispersavam em uma perseguição alucinada. Nas mãos de alguns, Flora viu brotar línguas de fogo, que se moldaram em forma esférica e foram arremessadas em sua direção. Em um instante, inúmeras esferas incandescentes começaram a chover ao seu redor.
Dimitri desviou sua rota no momento exato em que seriam atingidos pela primeira esfera de fogo. A partir de então, cavalgou de forma inconstante, fazendo curvas imprevistas, com o objetivo de desorientar seus atacantes e evitar que ele, Flora e o cavalo se transformassem em uma gigantesca pira.
Cada bola crepitante que errava o alvo acabava por atingir a estrada e a floresta ao redor, e em poucos minutos tudo estava em chamas. O calor era intenso, e o ar começava a ficar pesado, difícil de respirar. Logo Dimitri saiu da estrada, fazendo com que o cavalo se embrenhasse pelo matagal. Ali, os obstáculos tornavam a fuga mais lenta, porém, possibilitava que se escondessem.
Eles galoparam por algum tempo, diminuindo a velocidade hora ou outra, para passar nas áreas de mata mais fechada. Após algumas horas, quando o incêndio se tornou distante, Dimitri diminuiu a cavalgada em definitivo, transformando o galope em um passo lento. Dificilmente seriam alcançados, mas não podiam parar.
– Você está aprendendo a se defender – disse Dimitri, por fim, com o braço direito pendente à lateral do corpo. – Da próxima vez, escolha outro alvo, por favor.
As palavras de Dimitri feriam Flora como agulhas penetrando em seu coração, e o remorso só crescia. Ela estava se segurando à cintura dele, e assim o abraçou, deitando seu rosto nas costas do príncipe, mas com cuidado para não agravar o ferimento.
– Não posso ir a Amitié ferido. Primeiro, vamos fazer uma visita a uma velha amiga minha, a curandeira Malve.
Para Dimitri, o único arrependimento era de não tê-los interrogado antes de matá-los. Assim, poderia descobrir quem os enviara. Uma coisa era certa: ninguém pagaria para que matassem uma jovem donzela sem um bom motivo. Quem quer que fosse o responsável, sabia que se tratava da princesa herdeira de Hynneldor, e se encarregaria de terminar o que começara.
Por sorte, Flora era jovem e bela. Devia sua vida a isso. E também ao fato de aqueles serem amadores, é claro. Um assassino experiente jamais se delongaria com uma vítima apenas para poder se aproveitar dela. Ao invés disso, concluiria logo o trabalho. Dimitri interrompeu sua linha de raciocínio e olhou para as próprias mãos. Flora tinha razão, estavam manchadas de sangue. Para ele, presenciar a morte, ou até provocá-la, era algo natural. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se envergonhado.
Lá fora, a lua minguante adornava o céu noturno, enquanto Nathair e Flora dormiam profundamente na carruagem em movimento. Flora ainda usava seu vestido em farrapos, e Dimitri prometeu a si próprio que compraria roupas para ela na próxima cidade. Por sinal, seria uma ótima ideia que ela abandonasse o vestido da época em que vivia em Ashteria. Facilitaria a tarefa de ocultar sua identidade.
Assim, quando chegaram à cidade de Rivicour, Dimitri deixou Flora aos cuidados de Nathair enquanto saiu para comprar o vestido, além de mantimentos para o resto da viagem. Já estavam se aproximando do destino final, em apenas um dia chegariam a Amitié. Rivicour era uma cidade à beira do Rio Ruidoso, e Dimitri se aborreceu em retornar à carruagem sem ter conseguido um barco que os transportasse rio acima. Mas eles podiam prosseguir com a carruagem, não era problema. Nada poderia diminuir o prazer que Dimitri sentia com o iminente fim de sua jornada de uma vida inteira.
Ou, pelo menos, se atreveu a pensar isso por um instante.
Carregando nos braços as provisões e o vestido recém- comprado, Dimitri se sobressaltou ao descobrir que, onde deveria estar a carruagem, não havia nada. Irado, atirou ao chão tudo o que trazia consigo, amaldiçoando o momento em que se afastou de Flora mais uma vez. Ainda praguejando, começou a procurar marcas de batalha no chão, mas nada encontrou.
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– Tem certeza de que quer fazer isso? – Nathair perguntou a Flora, não pela primeira vez. A carruagem movia- se a toda velocidade, seguindo a estrada que margeava o Rio Ruidoso.
– Eu não poderia fazer diferente, depois de tudo o que você me contou! Como pude confiar em Dimitri?!
– Não se preocupe, nós vamos cuidar de você agora.
– Muito obrigada, Nathair! O que seria de mim se não fosse você? Ainda bem que você tem esses amigos que podem nos ajudar! – Flora segurava as mãos dele, que lhe serviam como fonte de coragem.
Flora ouviu dele muitas histórias terríveis sobre Dimitri. Desde a vez em que massacrara a Vila das Crianças, no longínquo reino de Vulcannus, até o dia em que incendiara um acampamento de pescadores de seu próprio território, a mando da maligna sacerdotisa de Kantheria. Por fim, contou- lhe sobre como ele a venderia a seu irmão, Fausto Valaskes, em troca de uma recompensa que reergueria o nome da família Fahd. E, também, o que faria com ela, caso se provasse que não era, de fato, a princesa perdida.
– Eu não pertenço a ele, para ser vendida como um objeto!
– Não, mesmo... – Anuiu Nathair, passando a mão na cabeça dela. Com idade para ser seu avô, Flora sentiu como se de fato ele o fosse. Mas um avô jamais planejaria para sua neta o destino infeliz que Nathair tinha em mente. – Chegamos. Espere aqui dentro um pouco.
A carruagem parou no local combinado, e Nathair pulou para fora, enquanto Flora espiava pela porta. Ali, uma dúzia de soldados aguardava. Homens e mulheres, todos vestiam mantos negros, adornados por um brasão vermelho que se assemelhava muito a um lagarto com asas esqueléticas. Junto ao brasão, cada soldado exibia uma quantidade de estrelas, alguns possuíam uma única, outros possuíam duas, mas um único soldado ostentava três estrelas. E foi este, o capitão, que se adiantou para ter com Nathair.
– Está tudo arranjado – disse Nathair a Flora, assim que retornou da conversa com o soldado. Ele a escoltou para fora da carruagem e dispensou o cocheiro, enquanto a instruía: – Vocês vão descer o Rio Ruidoso, e quando chegarem ao mar, trocarão de embarcação. Devem chegar a Amitié em, no máximo, um mês. Atracado à margem do rio, um diminuto barco a vela estava à espera. Nele, dois homens humildes faziam os preparativos para zarpar. Nathair guiou Flora em direção ao capitão, que a encarava com olhar intrigado. Mas, após ver a carruagem ir embora, ela estacou no caminho, preocupada:
– Espere, Nathair! Você não vem conosco?
– Não... Preciso ficar, para impedir que Dimitri vá em seu encalço.
– Você não pode ficar, ele o matará!
– Não se preocupe comigo, Flora. Vamos, não temos tempo a perder.
Quando ele finalmente a colocou frente a frente com o capitão, Flora começou a notar que havia algo de errado. O capitão a examinou dos pés à cabeça, passando por seu vestido rasgado e sua pele suja, e parecia muito desconfiado. A recepção não foi nem um pouco calorosa e, para completar, ele não aparentava ser um real amigo de Nathair Tredbach.
– Está tentando me enganar, Nathair? – Inquiriu o capitão, sem sequer dirigir a palavra à Flora. – Querendo me empurrar uma mendiga qualquer?
– De jeito nenhum! Eu te asseguro, ela é a princesa.
– Você não vai conseguir fugir de mim.
– Eu não terei porque fugir! É ela!
– Está bem. Levem-na para o barco – disse o capitão a seus comandados.
– Parem! – Gritou ela. – Nathair, você disse que vamos descer o Rio Ruidoso? Mas não estávamos, até agora, viajando rio acima? Amitié é para lá! – Dizendo isso, apontou o dedo na direção da qual as águas do rio vinham.
Um silêncio confuso tomou conta do ambiente, enquanto os soldados se davam conta da farsa criada por Nathair para atrair a princesa àquele lugar. O capitão deu um sorriso de aprovação e fez sinal para que seus comandados a agarrassem antes que ela tentasse correr.
– Não me culpe – disse Nathair, ao ver o olhar tristonho dela se voltar para ele –, é assim que as coisas funcionam por aqui.
Flora deu dois passos para trás, calculando quais seriam suas chances de fugir dali correndo. Os soldados eram muitos, e correriam mais rápido que ela, se fosse necessário. Ela não sabia quem eles eram, nem para onde pretendiam levá-la, mas ela não queria descobrir. Por isso, mesmo sabendo que não teria chance alguma de escapar, ela correu.
Às suas costas, ouviu gritos e gargalhadas dos soldados. Não pôde ver, mas os dois que estavam mais perto dela fizeram uma breve aposta de quem a alcançaria primeiro. Enquanto corria, Flora sacou a adaga que Dimitri lhe dera, e passou a correr com ela em punho, pronta para lutar por sua vida. Qualquer um que lhe tocasse sentiria o frio de sua pequena lâmina.
De repente, Flora ouviu às suas costas o som do correr de um cavalo. A barulheira e agitação aumentaram, e Flora ouviu o som de uma explosão, mas não se atreveu a olhar para trás. Corria alucinadamente pela estrada que subia o Rio Ruidoso, na direção em que acreditava estar Amitié. Quando o cavalo começou a se aproximar ameaçadoramente, ela se preparou para, pela primeira vez em sua vida, ferir uma pessoa.
Flora esperava ser pega pelos cabelos, pela roupa, ou até mesmo pela cintura. Mas, para seu espanto, agarraram-lhe o braço, e ela se viu sendo jogada para a garupa do cavalo. Sem pensar duas vezes, cravou a pequena adaga no ombro direito de seu raptor.
– AAAAHHHHHH! – Ela ouviu o cavaleiro gritar e um amargo arrependimento veio em seguida, ao perceber que golpeara Dimitri.
Rapidamente, ela removeu a adaga, e uma vistoso jorro de sangue escorreu pelas costas do príncipe, junto com um novo urro de dor. Era um corte muito mais profundo do que aqueles feitos pelos sequestradores de Flora, e ela pôde notar uma grande perda de força naquele braço. Mesmo assim, ele não parou de impelir o cavalo para frente, galopando bravamente.
– Oh, Dimitri, me perdoe!
Ele não respondeu. Apenas continuou em sua missão de escapar daquele local o mais rápido possível. Com uma breve olhada para trás, Flora viu os dois homens que a estiveram perseguindo, caídos no chão, inertes sobre uma poça de sangue. Mais atrás, os soldados restantes estavam confusos e desordenados. O capitão gritava ordens, enquanto os demais se dispersavam em uma perseguição alucinada. Nas mãos de alguns, Flora viu brotar línguas de fogo, que se moldaram em forma esférica e foram arremessadas em sua direção. Em um instante, inúmeras esferas incandescentes começaram a chover ao seu redor.
Dimitri desviou sua rota no momento exato em que seriam atingidos pela primeira esfera de fogo. A partir de então, cavalgou de forma inconstante, fazendo curvas imprevistas, com o objetivo de desorientar seus atacantes e evitar que ele, Flora e o cavalo se transformassem em uma gigantesca pira.
Cada bola crepitante que errava o alvo acabava por atingir a estrada e a floresta ao redor, e em poucos minutos tudo estava em chamas. O calor era intenso, e o ar começava a ficar pesado, difícil de respirar. Logo Dimitri saiu da estrada, fazendo com que o cavalo se embrenhasse pelo matagal. Ali, os obstáculos tornavam a fuga mais lenta, porém, possibilitava que se escondessem.
Eles galoparam por algum tempo, diminuindo a velocidade hora ou outra, para passar nas áreas de mata mais fechada. Após algumas horas, quando o incêndio se tornou distante, Dimitri diminuiu a cavalgada em definitivo, transformando o galope em um passo lento. Dificilmente seriam alcançados, mas não podiam parar.
– Você está aprendendo a se defender – disse Dimitri, por fim, com o braço direito pendente à lateral do corpo. – Da próxima vez, escolha outro alvo, por favor.
As palavras de Dimitri feriam Flora como agulhas penetrando em seu coração, e o remorso só crescia. Ela estava se segurando à cintura dele, e assim o abraçou, deitando seu rosto nas costas do príncipe, mas com cuidado para não agravar o ferimento.
– Não posso ir a Amitié ferido. Primeiro, vamos fazer uma visita a uma velha amiga minha, a curandeira Malve.