Logo cedo, Malve retirou as ataduras de Dimitri, e, para espanto de Flora, todos os ferimentos já estavam cicatrizados. Todos, exceto um: o que Flora lhe causara parecia curado por fora, mas ainda estava dolorido por dentro.
– Esse é muito profundo, vai precisar de mais alguns dias – disse Malve, enquanto examinava.
– Não temos alguns dias – respondeu Dimitri, vestindo sua camisa e recolhendo suas espadas gêmeas. Flora permaneceu calada, com a pequena Aura em seu colo, enquanto os dois discutiam:
– Não está pensando em sair assim, está?
– Já estive pior.
– Você não pode, está debilitado! Como vai lutar, sem o braço direito?
– Eu ainda tenho o esquerdo.
Com apenas uma mão, ele desencaixou a corrente que unia as duas espadas, guardando-as nas bainhas presas ao cinto. Fez isso porque a corrente o impediria de lutar usando uma única espada. Sem saber ao certo o que faria com a corrente, prendeu-a ao cinto também.
– Os exércitos inimigos batem à nossa porta e seus espiões espreitam através dos olhares mais amigáveis. Se eu não levar Flora agora, posso perder a chance para sempre.
Sem argumentos, Malve deu um abraço afetuoso em Dimitri, e, lançando-lhe um olhar de preocupação maternal, desejou-lhe boa viagem:
– Que Zyria esteja com vocês.
Pouco depois, Flora e Dimitri estavam novamente na estrada. Seguiam lentamente, porém apreensivos, pela estrada que levava direto a Amitié. Por um curto período, Flora fora tola o suficiente para pensar que poderiam ficar para sempre na tranquilidade do lar de Malve, mas Dimitri lhe inspirava a seguir em frente. Precisavam fazer o que era para ser feito, e descansar só depois que alcançassem o objetivo.
Durante a viagem, os dois não encontraram obstáculos, mesmo assim, Dimitri sabia que havia algo errado. A estrada estava abandonada, e os campos próximos à capital mostravam-se silenciosos por demais. Inicialmente, ele não sabia o que estava acontecendo, mas descobriu ao entardecer, assim que avistou a cidade ao longe.
Amitié era uma cidade grande e barulhenta, que crescera durante centenas de anos, ao redor do poderoso Castelo do Vento. O castelo, formado por sólidas torres de pedra, remontava a uma era muito antiga, na qual o mundo ainda era jovem e os Homens da Neve caminhavam por entre os humanos. Os anciãos diziam que, mesmo naquela época, a Guerra Sem Fim já havia começado a atormentar a quietude de Hynneldor, e esse foi o motivo que levara à construção da fortificação.
Saindo do centro do castelo, uma única torre branca se destacava das demais, acinzentadas, erguendo-se até o céu, e toda a estrutura era circundada por uma robusta muralha de pedra, entremeada de torres de vigia. Ao lado de fora, a grande cidade se estendia para todas as direções, onde milhares de pessoas corriam de lá para cá, aflitas. A cidade, por sua vez, era contornada por uma segunda muralha, ainda mais imponente que a primeira, e as pessoas que ainda estavam para fora do imenso portão corriam, desesperadas, para dentro.
Sem perder tempo, Dimitri pôs o cavalo a galope. Quase todos os camponeses já estavam seguros no interior da cidade, quando o gigantesco portão iniciou seu fechamento. Os poucos que ainda estavam para fora abandonaram toda a carga que levavam. Alimentos, equipamentos e até mesmo animais foram deixados para trás na correria, o mais importante para cada um era salvar-se e salvar sua família. Se o portão estava sendo fechado, o motivo era um só, o mesmo motivo que fazia com que todos os sinos tangessem e os tambores soassem: o ataque à cidade era iminente.
Flora agarrou-se com força à cintura de Dimitri, ela estava certa de que bateriam de frente com o portão fechado. Mas o príncipe de Datillion tinha domínio da situação e, sem hesitar, passou pela fresta no último minuto. Foram os últimos a adentrar a cidade, dando com uma grande multidão do outro lado. O tumulto era tanto, que mal podiam transitar ali dentro.
– Fausto ainda deve estar no castelo – informou Dimitri, enquanto ajudava Flora a descer do cavalo.
– Vamos a pé?
– O cavalo não passa por essa multidão, e nós temos pressa! Precisamos encontrar Fausto antes que a batalha comece! Flora, a sua presença muda tudo!
Trazendo-a pela cintura, Dimitri abriu passagem pelo turbilhão de pessoas. No alto das muralhas, inúmeros soldados se posicionavam, apenas aguardando o desenrolar dos acontecimentos, prontos para lutar. Enquanto isso, o resto da cidade caía na mais absoluta desordem. Enquanto todos se acotovelavam, na correria em busca de locais mais seguros, famílias se separaram, pertences se perderam, e muitas pessoas foram derrubadas e pisoteadas até a morte. Flora ficou apavorada, e também teria se tornado uma vítima do caos, não fosse Dimitri, que a guiava para a área mais elevada da cidade.
Com uma velocidade incrível, cruzaram metade do campo de batalha que a própria cidade havia se tornado devido ao medo, e alcançaram a entrada do enorme Castelo do Vento. De pronto, Dimitri foi reconhecido como o príncipe de Datillion, e ele e Flora foram autorizados a adentrar o castelo. Lá, o espaço era mais amplo e vazio, mas nem por isso a atmosfera seria mais leve.
– Chegamos a tempo! – Dimitri sussurrou a Flora, quando passaram por uma janela com vista para o portão da cidade. Muito ao longe, os estandartes de Vulcannus já podiam ser avistados, mas ainda levariam algumas horas até que iniciassem o ataque de fato.
Os dois foram escoltados por guardas reais até um grande salão, conhecido como Salão dos Quadros. O comprimento superava a largura em mais de cinco vezes, e toda a iluminação advinha de uma fileira de portas, que ocupava toda a extensão da parede direita. Estavam fechadas, mas ostentavam vitrais transparentes que permitiam a passagem de luz e davam vista a uma sacada. Na parede esquerda, uma sequência de quadros retratava os antigos reis e rainhas de Hynneldor, e por todos os lados havia guardas do castelo em posição.
Flora mal via a hora de encontrar seu irmão, Fausto, e fazer-lhe todas as perguntas que se formaram em sua mente durante a longa viagem. Pensava que os guardas a levariam até ele, mas foi surpreendida ao entrar no Salão dos Quadros, e ouvir a voz de Nathair às suas costas:
– Ora, ora... Vejam quem está aqui! Guardas, prendam- nos!
Sem titubear, dois dos guardas prenderam os braços de Flora para trás, imobilizando-a. Dimitri estava sempre alerta e não foi surpreendido. Ao notar a aproximação de um dos guardas, sacou uma espada e feriu-lhe o peito. O guarda caiu para trás, sangrando, mas logo outro avançou e tomou seu lugar. Um terceiro deu com o punho da espada nas costas de Dimitri, justo onde a dor do ferimento que Flora lhe causara ainda o deixava vulnerável. Outros dois seguraram seus braços, arrancando-lhe a espada das mãos, e logo eram tantos, que derrubaram o príncipe de Datillion com a face no chão, e amarraram seus braços para trás, com grossas cordas.
– Desarmem-no e levem-nos para o calabouço – ordenou Nathair.
– Parem, idiotas! – Dimitri gritou, exaltado. – Ela é a princesa Flora!
– Não insista, Dimitri. O príncipe Fausto já está ciente dessa sua traição.
– MENTIROSO! IMPOSTOR!
Dimitri continuava gritando, enquanto uma dúzia de guardas lhe tomaram a segunda espada e o arrastaram pela porta por onde havia entrado, virando à direita em um longo corredor e empurrando-o escada abaixo. Flora assistiu a tudo perplexa, enquanto ele foi levado de seu campo de visão. Nathair não disfarçava um sorriso zombeteiro e Flora já estava amarrada, seria a próxima a ser levada.
– Nathair! Pare, por favor! – Implorou Flora. – Você sabe que é verdade!
Nathair se aproximou dela, e o prazer que sentia com aquela situação era quase tangível. Com um falso preocupado, acariciou o rosto de Flora e arrancou o medalhão que pendia do pescoço dela, enquanto falava com suavidade:
– Pobre criança, foi a primeira a ser enganada... Talvez seja poupada, caso consiga convencer o príncipe Fausto de que você também é uma vítima de Dimitri Fahd. Mas isso não vai acontecer... – E ele sussurrou as últimas palavras em seu ouvido: – porque essa cidade não verá mais um nascer do sol.
Ele fez sinal para que os guardas a levassem, quando a porta do outro lado do Salão dos Quadros se abriu com estrondo, e por ela entrou um grande grupo de homens armados, vindos de uma importante reunião. O grupo incluía o mestre de guerra do reino, o capitão da guarda real, o responsável pelos estábulos, o conselheiro do príncipe, e o próprio príncipe Fausto Valaskes. Nathair tentou apressar os guardas a levarem Flora dali, mas não foi suficientemente rápido. O príncipe notou o alvoroço e logo foi desvendar o que estava acontecendo.
– Nathair, estamos em guerra! Precisamos de ordem! Que confusão toda é essa?
O príncipe não se parecia muito com Flora. Era alto e sério, deveria ter quase trinta anos de idade, barba e cabelos da cor do carvalho, diferente das madeixas dela, negras como a noite. Trajava uma elegante armadura prateada, com detalhes entalhados no peito. Também haviam opalas incrustadas em alguns pontos, que cintilavam e mudavam suavemente de cor, dependendo da posição em que se olhasse.
– Nada demais, Vossa Alteza. – Respondeu Nathair, posicionando-se entre o príncipe e os guardas que levavam Flora. – Apenas mais uma impostora que alega ser a princesa.
– Deixe-me vê-la – ordenou Fausto.
– Tem certeza? É apenas perda de tempo, a batalha está para começar...
– Guardas, tragam-na aqui.
O coração de Flora deu um salto quando foi colocada frente a frente com Fausto Valaskes. Ela pôde ver de perto a maior semelhança entre os dois: os olhos azuis. Queria gritar e comemorar que enfim havia alcançado seu propósito naquela terra inóspita, e que tudo ficaria bem. Queria rir da tentativa frustrada de Nathair em impedir sua chegada, e mandar que libertassem Dimitri imediatamente.
Mas os olhos azuis de Fausto a fitavam com tanta indiferença, que ela sentiu um calafrio repentino e todo o seu entusiasmo evaporou. Os homens que acompanhavam o príncipe cochicharam entre si enquanto ele caminhou em volta dela, analisando-a dos pés à cabeça. Por fim, encarou-a nos olhos, suspirou brevemente e dirigiu-lhe a palavra:
– Onde está o medalhão?
– O medalhão? – repetiu Flora. Ela olhou para o próprio colo, e percebeu que seu medalhão, que sempre levava consigo, não estava mais pendurado em seu pescoço.
– Sim. De ouro, com o brasão da família Valaskes entalhado. Você sabe, o medalhão que estava com a princesa no dia em que foi raptada pelos patifes de Vulcannus. Cada uma das impostoras que vieram antes de você trouxe uma falsificação diferente... onde está o seu?
– Nathair tomou de mim! – Denunciou, instintivamente procurando-o no salão lotado.
– Ousa me acusar? Que conveniente... – riu Nathair. – Guardas, levem-na!
– Esperem – disse Fausto, quando os guardas fizeram menção de cumprir as ordens do diplomata. – Menina, mostre- me sua magia.
– M-m-magia? – Flora gaguejou, surpreendida pela ordem do príncipe. – Eu não faço magia...
Suprimindo a decepção, Fausto fez sinal para que os guardas a levassem de uma vez por todas.
– Espere! Eu sou a Flora! Sou a princesa! Fausto, espere!
– Não, você não é. A verdadeira princesa transborda magia – respondeu ele. – E você não deve me dirigir a palavra. Impostora!
– Esse é muito profundo, vai precisar de mais alguns dias – disse Malve, enquanto examinava.
– Não temos alguns dias – respondeu Dimitri, vestindo sua camisa e recolhendo suas espadas gêmeas. Flora permaneceu calada, com a pequena Aura em seu colo, enquanto os dois discutiam:
– Não está pensando em sair assim, está?
– Já estive pior.
– Você não pode, está debilitado! Como vai lutar, sem o braço direito?
– Eu ainda tenho o esquerdo.
Com apenas uma mão, ele desencaixou a corrente que unia as duas espadas, guardando-as nas bainhas presas ao cinto. Fez isso porque a corrente o impediria de lutar usando uma única espada. Sem saber ao certo o que faria com a corrente, prendeu-a ao cinto também.
– Os exércitos inimigos batem à nossa porta e seus espiões espreitam através dos olhares mais amigáveis. Se eu não levar Flora agora, posso perder a chance para sempre.
Sem argumentos, Malve deu um abraço afetuoso em Dimitri, e, lançando-lhe um olhar de preocupação maternal, desejou-lhe boa viagem:
– Que Zyria esteja com vocês.
Pouco depois, Flora e Dimitri estavam novamente na estrada. Seguiam lentamente, porém apreensivos, pela estrada que levava direto a Amitié. Por um curto período, Flora fora tola o suficiente para pensar que poderiam ficar para sempre na tranquilidade do lar de Malve, mas Dimitri lhe inspirava a seguir em frente. Precisavam fazer o que era para ser feito, e descansar só depois que alcançassem o objetivo.
Durante a viagem, os dois não encontraram obstáculos, mesmo assim, Dimitri sabia que havia algo errado. A estrada estava abandonada, e os campos próximos à capital mostravam-se silenciosos por demais. Inicialmente, ele não sabia o que estava acontecendo, mas descobriu ao entardecer, assim que avistou a cidade ao longe.
Amitié era uma cidade grande e barulhenta, que crescera durante centenas de anos, ao redor do poderoso Castelo do Vento. O castelo, formado por sólidas torres de pedra, remontava a uma era muito antiga, na qual o mundo ainda era jovem e os Homens da Neve caminhavam por entre os humanos. Os anciãos diziam que, mesmo naquela época, a Guerra Sem Fim já havia começado a atormentar a quietude de Hynneldor, e esse foi o motivo que levara à construção da fortificação.
Saindo do centro do castelo, uma única torre branca se destacava das demais, acinzentadas, erguendo-se até o céu, e toda a estrutura era circundada por uma robusta muralha de pedra, entremeada de torres de vigia. Ao lado de fora, a grande cidade se estendia para todas as direções, onde milhares de pessoas corriam de lá para cá, aflitas. A cidade, por sua vez, era contornada por uma segunda muralha, ainda mais imponente que a primeira, e as pessoas que ainda estavam para fora do imenso portão corriam, desesperadas, para dentro.
Sem perder tempo, Dimitri pôs o cavalo a galope. Quase todos os camponeses já estavam seguros no interior da cidade, quando o gigantesco portão iniciou seu fechamento. Os poucos que ainda estavam para fora abandonaram toda a carga que levavam. Alimentos, equipamentos e até mesmo animais foram deixados para trás na correria, o mais importante para cada um era salvar-se e salvar sua família. Se o portão estava sendo fechado, o motivo era um só, o mesmo motivo que fazia com que todos os sinos tangessem e os tambores soassem: o ataque à cidade era iminente.
Flora agarrou-se com força à cintura de Dimitri, ela estava certa de que bateriam de frente com o portão fechado. Mas o príncipe de Datillion tinha domínio da situação e, sem hesitar, passou pela fresta no último minuto. Foram os últimos a adentrar a cidade, dando com uma grande multidão do outro lado. O tumulto era tanto, que mal podiam transitar ali dentro.
– Fausto ainda deve estar no castelo – informou Dimitri, enquanto ajudava Flora a descer do cavalo.
– Vamos a pé?
– O cavalo não passa por essa multidão, e nós temos pressa! Precisamos encontrar Fausto antes que a batalha comece! Flora, a sua presença muda tudo!
Trazendo-a pela cintura, Dimitri abriu passagem pelo turbilhão de pessoas. No alto das muralhas, inúmeros soldados se posicionavam, apenas aguardando o desenrolar dos acontecimentos, prontos para lutar. Enquanto isso, o resto da cidade caía na mais absoluta desordem. Enquanto todos se acotovelavam, na correria em busca de locais mais seguros, famílias se separaram, pertences se perderam, e muitas pessoas foram derrubadas e pisoteadas até a morte. Flora ficou apavorada, e também teria se tornado uma vítima do caos, não fosse Dimitri, que a guiava para a área mais elevada da cidade.
Com uma velocidade incrível, cruzaram metade do campo de batalha que a própria cidade havia se tornado devido ao medo, e alcançaram a entrada do enorme Castelo do Vento. De pronto, Dimitri foi reconhecido como o príncipe de Datillion, e ele e Flora foram autorizados a adentrar o castelo. Lá, o espaço era mais amplo e vazio, mas nem por isso a atmosfera seria mais leve.
– Chegamos a tempo! – Dimitri sussurrou a Flora, quando passaram por uma janela com vista para o portão da cidade. Muito ao longe, os estandartes de Vulcannus já podiam ser avistados, mas ainda levariam algumas horas até que iniciassem o ataque de fato.
Os dois foram escoltados por guardas reais até um grande salão, conhecido como Salão dos Quadros. O comprimento superava a largura em mais de cinco vezes, e toda a iluminação advinha de uma fileira de portas, que ocupava toda a extensão da parede direita. Estavam fechadas, mas ostentavam vitrais transparentes que permitiam a passagem de luz e davam vista a uma sacada. Na parede esquerda, uma sequência de quadros retratava os antigos reis e rainhas de Hynneldor, e por todos os lados havia guardas do castelo em posição.
Flora mal via a hora de encontrar seu irmão, Fausto, e fazer-lhe todas as perguntas que se formaram em sua mente durante a longa viagem. Pensava que os guardas a levariam até ele, mas foi surpreendida ao entrar no Salão dos Quadros, e ouvir a voz de Nathair às suas costas:
– Ora, ora... Vejam quem está aqui! Guardas, prendam- nos!
Sem titubear, dois dos guardas prenderam os braços de Flora para trás, imobilizando-a. Dimitri estava sempre alerta e não foi surpreendido. Ao notar a aproximação de um dos guardas, sacou uma espada e feriu-lhe o peito. O guarda caiu para trás, sangrando, mas logo outro avançou e tomou seu lugar. Um terceiro deu com o punho da espada nas costas de Dimitri, justo onde a dor do ferimento que Flora lhe causara ainda o deixava vulnerável. Outros dois seguraram seus braços, arrancando-lhe a espada das mãos, e logo eram tantos, que derrubaram o príncipe de Datillion com a face no chão, e amarraram seus braços para trás, com grossas cordas.
– Desarmem-no e levem-nos para o calabouço – ordenou Nathair.
– Parem, idiotas! – Dimitri gritou, exaltado. – Ela é a princesa Flora!
– Não insista, Dimitri. O príncipe Fausto já está ciente dessa sua traição.
– MENTIROSO! IMPOSTOR!
Dimitri continuava gritando, enquanto uma dúzia de guardas lhe tomaram a segunda espada e o arrastaram pela porta por onde havia entrado, virando à direita em um longo corredor e empurrando-o escada abaixo. Flora assistiu a tudo perplexa, enquanto ele foi levado de seu campo de visão. Nathair não disfarçava um sorriso zombeteiro e Flora já estava amarrada, seria a próxima a ser levada.
– Nathair! Pare, por favor! – Implorou Flora. – Você sabe que é verdade!
Nathair se aproximou dela, e o prazer que sentia com aquela situação era quase tangível. Com um falso preocupado, acariciou o rosto de Flora e arrancou o medalhão que pendia do pescoço dela, enquanto falava com suavidade:
– Pobre criança, foi a primeira a ser enganada... Talvez seja poupada, caso consiga convencer o príncipe Fausto de que você também é uma vítima de Dimitri Fahd. Mas isso não vai acontecer... – E ele sussurrou as últimas palavras em seu ouvido: – porque essa cidade não verá mais um nascer do sol.
Ele fez sinal para que os guardas a levassem, quando a porta do outro lado do Salão dos Quadros se abriu com estrondo, e por ela entrou um grande grupo de homens armados, vindos de uma importante reunião. O grupo incluía o mestre de guerra do reino, o capitão da guarda real, o responsável pelos estábulos, o conselheiro do príncipe, e o próprio príncipe Fausto Valaskes. Nathair tentou apressar os guardas a levarem Flora dali, mas não foi suficientemente rápido. O príncipe notou o alvoroço e logo foi desvendar o que estava acontecendo.
– Nathair, estamos em guerra! Precisamos de ordem! Que confusão toda é essa?
O príncipe não se parecia muito com Flora. Era alto e sério, deveria ter quase trinta anos de idade, barba e cabelos da cor do carvalho, diferente das madeixas dela, negras como a noite. Trajava uma elegante armadura prateada, com detalhes entalhados no peito. Também haviam opalas incrustadas em alguns pontos, que cintilavam e mudavam suavemente de cor, dependendo da posição em que se olhasse.
– Nada demais, Vossa Alteza. – Respondeu Nathair, posicionando-se entre o príncipe e os guardas que levavam Flora. – Apenas mais uma impostora que alega ser a princesa.
– Deixe-me vê-la – ordenou Fausto.
– Tem certeza? É apenas perda de tempo, a batalha está para começar...
– Guardas, tragam-na aqui.
O coração de Flora deu um salto quando foi colocada frente a frente com Fausto Valaskes. Ela pôde ver de perto a maior semelhança entre os dois: os olhos azuis. Queria gritar e comemorar que enfim havia alcançado seu propósito naquela terra inóspita, e que tudo ficaria bem. Queria rir da tentativa frustrada de Nathair em impedir sua chegada, e mandar que libertassem Dimitri imediatamente.
Mas os olhos azuis de Fausto a fitavam com tanta indiferença, que ela sentiu um calafrio repentino e todo o seu entusiasmo evaporou. Os homens que acompanhavam o príncipe cochicharam entre si enquanto ele caminhou em volta dela, analisando-a dos pés à cabeça. Por fim, encarou-a nos olhos, suspirou brevemente e dirigiu-lhe a palavra:
– Onde está o medalhão?
– O medalhão? – repetiu Flora. Ela olhou para o próprio colo, e percebeu que seu medalhão, que sempre levava consigo, não estava mais pendurado em seu pescoço.
– Sim. De ouro, com o brasão da família Valaskes entalhado. Você sabe, o medalhão que estava com a princesa no dia em que foi raptada pelos patifes de Vulcannus. Cada uma das impostoras que vieram antes de você trouxe uma falsificação diferente... onde está o seu?
– Nathair tomou de mim! – Denunciou, instintivamente procurando-o no salão lotado.
– Ousa me acusar? Que conveniente... – riu Nathair. – Guardas, levem-na!
– Esperem – disse Fausto, quando os guardas fizeram menção de cumprir as ordens do diplomata. – Menina, mostre- me sua magia.
– M-m-magia? – Flora gaguejou, surpreendida pela ordem do príncipe. – Eu não faço magia...
Suprimindo a decepção, Fausto fez sinal para que os guardas a levassem de uma vez por todas.
– Espere! Eu sou a Flora! Sou a princesa! Fausto, espere!
– Não, você não é. A verdadeira princesa transborda magia – respondeu ele. – E você não deve me dirigir a palavra. Impostora!